O VAZIO DA TROPA E A CADEIRA DO COMANDANTE
O VAZIO DA TROPA E A CADEIRA DO COMANDANTE
Recentemente em conversa com um de nossos ex-alunos do Curso de Formação de Comandantes, falávamos da ausência de um espírito de motivação
que se apoderou de algumas instituições de Guardas Municipais, razão
essa que me motivou a escrever esse pequeno artigo, em detrimento de
outro na mesma linha e que já havia escrito. Geralmente recebo convites
de gestores e comandantes para realizar palestra motivacional, alegando
os mesmos que há uma desmotivação geral na tropa e que os guardas não jogam mais no mesmo time do comandante ou rezam outra cartilha (!).
Obviamente, temos como seres humanos a tendência natural de praticarmos aquilo que a psicologia denomina de transferência de culpa.
Nunca a culpa é nossa, sempre o outro é o responsável por dar causa ou
fazer acontecer aquilo que nós queríamos que acontecesse. Será isso uma
verdade absoluta ou um discurso frágil para esconder algumas
incapacidades de gerenciamento institucional? Com todo o respeito aos
gestores e comandantes, destaco aqui que o que digo obviamente não é
algo aplicável a todos, mas muitos desses comandantes, eles mesmos estão
matando suas organizações. Distanciaram-se de seus comandados, tiraram
seus uniformes e se esconderam atrás de lindas mesas, com belas
secretárias e carrancudos chefes de gabinetes.
Muitos deles ignoram até o próprio motorista de sua viatura, que de servidor de segurança, passou a chofer. Levam suas vidas refrescadas por sucos geladinhos, cafés e bolachas servidas por belas guardas que em vez de estarem no serviço operacional ou na ronda escolar e policiamento comunitário, serve seu “chefe” e se locupletam dos benefícios de servir o soberano. Nessas condições, a instituição já quebrou. Há dois mundos dentro do próprio mundo. Comandantes que conhecem seu município somente pelo GPS. Perdeu o vínculo com a tropa. A palavra comandante, de forma bem simples significa comandar com, Com quem? Resposta: Com meus comandados. Quem são meus comandados? Será que são os Guardas Municipais? Não há comandante sem os guardas.
E
os questionamentos são muitos, o que amplia o mal estar desse artigo:
Qual a última vez em que você como Comandante reuniu-se em um café da
manhã com seus oficiais? Não para falar de serviço, mas para se
confraternizarem enquanto Estado Maior da instituição. Para lhes dizer
obrigado, por fazermos parte de um time vencedor! Pois sei, que não é
fácil ser ou estar em posição de comando. A guilhotina da política está
24h por dia sobre as cabeças de quem está no topo da pirâmide. Mas será
que isso impede um simples café da manhã com sua equipe? Qual a última
vez que você como Comandante, esteve presente em uma reunião ou café com
seus graduados reforçando o espírito de camaradagem tão necessário aos
homens de meio? Qual foi a última vez que na última sexta feira de cada
mês (após o expediente), você motivou ou se fez presente num
churrasquinho com pagode ou outro qualquer, homenageando os
aniversariantes do mês, entregando-lhes um mimo, um certificado ou ainda
trazendo uma palavra de ânimo e reavivando o compromisso de seus
comandados? Qual foi o último dia em que você como Comandante, sentou-se
na sua viatura do comando e visitou seus comandantes
operacionais em suas bases ou locais de trabalho? para tomar aquele café
requentado que todos nós sabemos que é, e praticar in loco uma
intervenção pedagógica, alinhando e reforçando valores e doutrinas?
Melhor ainda, qual a última vez que seus comandados viram você,
uniformizado ao vivo e a cores? Seu uniforme lhe serve ainda?
Comandantes
só no nome, no salário, no prestígio político, nos barretes sobre os
ombros e na placa que está fixada no gabinete. Será que sua tropa sabe
ou o reconhece legitimamente como um comandante ou para eles você é uma
figura sem prestígio e apagada e apenas mais um nome no organograma da
instituição?
Sei
que são duras essas palavras, mas que parte daquele que ama a segurança
pública e por tanto as entende como necessárias. Lá na rua ou nos
postos de serviços, nos Distritos Policiais nas gélidas noites de frio e
de chuva, o não graduado, nosso valente Guarda Municipal, precisa ter a
certeza de que há uma cadeia de comando presente, próxima e que ele
possa contar nos momentos de maior precisão seja administrativa,
operacional ou pessoal.
Pelo formato hoje dominante, raras são às vezes, que ainda encontramos um supervisor ou inspetor rondando ou operando lá na ponta da linha
à frente de sua equipe. A grande maioria deles também estão vinculados à
administração, bem longe do mundo real. Não que isso seja algo que deva
ser criticado. Mas se os oficiais estão internos, de folga aos sábados,
domingos e feriados e não trabalham à noite; quem comanda a instituição
de fato?
O
Gestor (em nível de secretaria) esse pode se dar ao gosto de usar um
terno; mas o Comandante usa orgulhosamente o seu uniforme. Àquele igual
ao de seus comandados. Ele ostenta o mesmo brasão, as mesmas divisas e
seus comandados o reconhece e o identifica com um simples olhar. Ele
recebe as continências, prima pelo exemplo, se faz presente nas
preleções diárias, tem sempre uma palavra a dar, luta pelos interesses
de seus comandados, fala pela instituição publicamente e constantemente é
visto por seus oficiais, graduados e guardas como alguém que está vivo e
transmite vida a corporação. É uma figura respeitada, admirada e
venerada por aqueles, que estão nas escadarias da carreira e pelos antigos.
É
alguém que seus comandados olham e conseguem ver a áurea que o contorna
e os fluidos mágicos que dele irradia. Não há a mínima possibilidade de
um comandante administrar sua instituição, fazendo-se ausente, não
transitando entre seus pares, não dando um bom dia a seus comandados e
exibindo um sorriso que consiga cativar e motivar.
Gestão
pública, orçamentos, licitações, papéis, e-mails, reuniões e agenda
lotada. Nada disso afasta o comandante de seus comandados. Fardas,
coletes, tonfas, revólveres e viaturas são acessórios. Guardas
Municipais são pessoas. E como tais, necessitam de reconhecimento,
valorização profissional, proteção de suas garantias como trabalhador,
precisam de uma carreira e de justo pagamento pelo que faz. O Comandante
com isso se preocupa.
Um
comandante que não enxerga que comanda seres humanos, mata sua
instituição a cada dia. Um homem desmotivado é sinônimo de má prestação
de serviço.
Um
profissional estressado é sinônimo de violência policial. Um
profissional assediado moralmente é sinônimo de servidor afastado,
restrito ou readaptado. Saia de vez em quando de seu gabinete, embarque
em sua viatura e percorra o território ao qual você comanda, transite
entre seus comandados, determine, cobre e celebre com eles, pois afinal é
para a tropa que você ajudar a construir que você vai voltar, quando o
próximo prefeito tirar-lhe o comando e passar para aquele que você
desmotivou, ignorou, perseguiu e humilhou
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